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Os desafios da pessoa com TEA

Os desafios da pessoa com TEA

6 meses atrás


“É difícil imaginar que um filho nosso possa ser autista, é um processo doloroso”, avalia Renata Oliveira, que vive o preconceito na pele
Bullyng é um dos maiores desafios para autistas e seus familiares e tem origem na desinformação

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresenta entre seus sinais uma grande variedade de repetições. Estas podem ser na forma de frases, movimentos, postura e outros, sem aparente motivo. Isto é conhecido como ‘estereotipia.’ Muitas vezes a estereotipia é suficiente também para aguçar o preconceito em quem não tem informação a respeito do TEA. Com isso, o autista acaba sendo vítima de humilhações, provocações, agressões, assédio e violência, conjunto de ações conhecidas pela expressão em inglês ‘bullyng’.

O bullyng marca muitas histórias de vida entre os autistas.

Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI) em uma escola municipal de Mauá, há dois anos, e graduanda em Enfermagem, Renata Silva de Oliveira, de 22 anos, fala das alegrias e desafios da sua história de pessoa com TEA. “Tenho vários hiperfocos, mas um que me surgiu agora nesse emprego de ADI, é relacionado aos bebês. Adoro tudo sobre este tema, estudar suas fases e como funciona o corpo humano, o que vai ao encontro da minha graduação de Enfermagem”, explica. É um feliz exemplo de autista que gosta do que faz e está adaptado ao ambiente, podendo desenvolver todas as suas melhores habilidades, para alegria da equipe, dos pais e das crianças.

Ela sempre foi boa aluna na vida escolar, o que deu muito orgulho ao pai, mãe e irmã. Aliás, família que tem a sua gratidão pela ajuda para enfrentar os desafios. “Minha mãe diz que sempre teve uma desconfiança pelo meu jeito demasiadamente emocional, com o meu andar de ponta de pés e minhas estereotipias com meus dedos. Como o pediatra nunca disse nada, ela não chegou a se aprofundar nas razões”, explica Renata.

A depressão foi um desafio da juventude. Conquistar e manter amizades e a comunicação de forma geral também o foram. Renata sofria bullyng constantemente, era excluída e sua aparência e jeito de ser causavam “estranheza”. Suas memórias são muito ruins na época do Ensino Médio: “minhas notas decaíram muito pois entrei em depressão, mal queria ir pra escola, pensava em acabar com aquela dor”, desabafa. “Foi uma fase muito difícil na minha vida que gerou muitas marcas e sofrimento”, lamenta. Foi a família quem a ajudou a superar momentos de revolta e tristeza causados pela incompreensão. “Minhas boas memórias de infância envolvem momentos em família, viagens para visitar parentes, brincadeiras com a minha irmã, que eu podia esbanjar minha criatividade, ler e estudar. Esse mundo era motivo de muita alegria para mim”, recorda Renata.

Mesmo com a grande dificuldade para fazer e manter amizades, uma a acompanha há mais de 14 anos, desde o Ensino Fundamental 1: “a Larissa é a minha melhor amiga de vida! É com quem me divirto e dou altas risadas e consigo contar sempre quando preciso”, elogia a amiga. Outra característica de muitos autistas é conseguir estabelecer um relacionamento amoroso. Renata conseguiu ultrapassar a barreira também de uma forma comum utilizada pelos autistas: ter um forte laço de confiança com o parceiro ou parceira. Desde 2018, totalizando seis anos de união, mantém o relacionamento com Pedro Henrique. São amigos desde o segundo ano do Ensino Médio. Agora noivos, ela o descreve: “ele é amoroso, parceiro e muito compreensivo, entende sempre meus momentos me dando espaço quando preciso. Sinto da parte dele muito amor e paciência com o meu jeito de ser.”

O autoconhecimento, quando possível, facilita bastante a vida dos autistas. “Descobri muitas características minhas importantes para eu me conhecer. Possuo dificuldade para entender comunicação não verbal, preciso de rotina e ser avisada com antecedência das tarefas e eventos, para que eu possa me organizar e não entrar em uma crise. Tenho hipersensibilidade sensorial para roupas apertadas. Algumas texturas, barulhos altos e repetitivos, cheiros e luzes me estressam profundamente. Às vezes, uso fones com cancelamento de ruído ativo ou tampões para abafar.
O diagnóstico permitiu o descobrimento mais suave e cheio de entendimentos interessantes e importantes. “No local que trabalho, me senti super aceita e respeitada e minha antiga professora Roberta me ajudou a entender um pouco mais dos meus direitos e me encorajou. Na faculdade, agora os professores me auxiliam ainda mais de perto com possíveis dúvidas ou dificuldades em relação ao estudo ou ao ambiente estudantil. Nos estabelecimentos onde eu uso o cordão de identificação até agora só tive vivências muito positivas, diferente do que eu pensei que passaria. A única coisa que considero ruim é quando desconhecidos me veem de cordão e olham de cima a baixo, feio, sussurram sobre mim para o colega ao lado ou como um homem, no trem, esses dias. Ele não parou um minuto sequer de me encarar e encarar o cordão. Fiquei até constrangida, pensei que tinha algo errado em mim na hora, porque a situação foi bem constrangedora”, descreve Renata

Ela considera que é difícil, no começo, imaginar que pode-se ter este transtorno ou que um filho pode ser autista. Várias especulações surgem em nossa mente. “O que vão pensar?” e “como vão tratar ele?”. É um processo doloroso, mas Renata acredita que vale a pena lutar pelo diagnóstico. “A sua vida ou a do seu filho não vai se findar ou estagnar com um laudo. De acordo com o processo da avaliação neuropsicológica, surgirão muitas das respostas para coisas que não faziam sentindo ou que não tinham explicação para você. E, assim, você ou seu filho conseguirá receber o tratamento adequado, tornando sua vida um pouco melhor com uma melhora na sua qualidade de vida”, garante, respaldada pela própria experiência.

Para o futuro, seu plano é concluir a graduação em Enfermagem e fazer uma pós em saúde da criança e do adolescente ou neonatologia e obstetrícia. “Ainda estou para me decidir e exercer a profissão entrando em um concurso que eu consiga conciliar com a minha futura família, que pretendo construir com meu noivo Pedro, e com a minha atual (pai, mãe, irmã e cunhado).