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“Eu não gosto de toque, mas minha filha adora abraçar”: o Autismo e suas múltiplas facetas

“Eu não gosto de toque, mas minha filha adora abraçar”: o Autismo e suas múltiplas facetas

6 meses atrás


Entender o Transtorno do Espectro Autista permite que se possa conviver melhor em sociedade, respeitando as limitações do próprio paciente

A dificuldade enfrentada ao longo dos anos foi resumida em um exemplo. É como se cada situação se apresentasse num quebra-cabeça, que ela precisava resolver para só então passar adiante. “Eu destensiono quando passo a entender as coisas dentro da minha cabeça, quando entendo a lógica do que está acontecendo. Mas, as pessoas se irritam com as minhas perguntas”, afirmou Tatiane Moreira, de 37 anos, servidora concursada da Prefeitura de Mauá, no DISO, há 10 anos. Às vezes, eu repito certas coisas no meu pensamento e, quando vejo, estou repetindo muitas vezes em voz alta. O diagnóstico de autismo chegou no ano passado, depois de muito tempo no obscurantismo que a falta de informação provoca.

É preciso explicar que seus sinais característicos do autismo são relativamente discretos. Foram os filhos e familiares que recentemente recomendaram que buscasse ajuda profissional. Suas reações ao que fugia da rotina estavam incomodando. Tudo o que não seguia a sequência prevista e vivida diariamente lhe causava angústia. “Eu tinha muita dificuldade de compreender as outras pessoas e a gente acha que não precisa de ajuda”, avalia a servidora. Ela lembra que é preciso fazer o check-up para a saúde física e também para a saúde mental, que é tão importante quanto. Mas, antigamente não se falava em autismo, sua terapia e tratamento, diferente do que se vê hoje.

Tatiane era uma criança que tinha a responsabilidade de cuidar dos dois avós, que a criaram e tinham crises constantes de epilepsia, um distúrbio do Sistema Nervoso Central que gera descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro, causando convulsões. Com isso, a menina entendeu cedo que teria que pedir ajuda aos vizinhos e chamar uma ambulância. Suas próprias questões de saúde precisaram ficar em segundo plano, por muito tempo. Dos quatro filhos, a caçula, de seis anos, obteve o diagnóstico de autismo há três anos.

“Autismo agora tem nome”, comemora a servidora que teve o diagnóstico em maio do ano passado. Bournaut, Asperger, depressão, cada um falava uma coisa. Numa destas ocasiões, em vez de atender o médico e seguir para a sala de medicação, Tatiane fugiu da consulta com medo de ser colocada numa camisa de força. Atitude comum num tempo em que havia falta de informação sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Depois da saga em vários consultórios e profissionais, foi no Hospital de Clínicas Dr. Radamés Nardini que a resposta foi se delineando.

O sofrimento e as crises eram mais causadas por situações de forte estresse, luzes piscantes ou som muito alto, principalmente depois dos 20 anos de idade. Em outra crise, foi atendida por um médico que “explicou detalhadamente sobre os efeitos dos remédios, que hoje nem se fabrica camisa de força e fez o encaminhamento. O médico fez o que lhe era possível”, relembra Tatiane. Foram feitos muitos exames e ela teve uma grande decepção quando deu tudo normal. “Eu queria que naqueles resultados aparecesse a explicação. Nada além de que, conforme o barulho, altera a frequência em que o cérebro processa as informações”, diz Tatiane. Mas foi a partir desta “normalidade” que foi possível que sua equipe médica traçasse seu diagnóstico de pessoa com TEA.

Dali, o tratamento evoluiu para terapia e medicação e a vida ficou mais serena. A terapia com psicóloga, exercícios de respiração, dormir melhor e a disciplina com os remédios ajudam muito. Antes de sair pela manhã para trabalhar, ela se medica, respira e faz uma prece. Com isso, ao perceber que uma crise está próxima, Tatiane se afasta para um lugar calmo e isolado, para se reequilibrar. O ideal é evitar que muitas pessoas se aproximem e toquem quem estiver em crise relacionada ao autismo. Mas ela relata que ainda há muitas situações que evidenciam a falta de informação, como ao ser criticada por dizer que a filha caçula é especial, tendo sido considerada arrogante pela fala.

Tatiane destaca que educação é uma coisa e intimidade é outra e que as pessoas não sabem lidar muito bem com o que é diferente. “Eu não gosto de toque, mas minha filha adora abraçar”, lembra. Ela deixa nítido que ela apenas precisa do tempo para entender como as coisas funcionam, de preferência sem mudanças na rotina diária. Para os autistas, Tatiane acredita que é preciso ter a carteira e o cordão de autista para facilitar as coisas, mas o importante mesmo é sempre ter o acesso facilitado aos especialistas, tratamento e medicação. E, também, entender suas próprias limitações.